Projeto Cultivando Futuros estimula a participação social para aprimorar políticas de agricultura familiar e segurança alimentar

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Experiência de cooperação internacional envolvendo Brasil e Alemanha envolve 12 organizações que atuam no semiárido brasileiro, incluindo o CDJBC

 

Contribuir para a transformação agroecológica e para a soberania alimentar e nutricional no Semiárido nordestino. Este o principal objetivo do Projeto Cultivando Futuros, realizado em 20 municípios da região do semiárido pela AS-PTA, Rede ATER NE de Agroecologia e da organização de cooperação internacional Pão para o Mundo (Brot fur die Welt, em alemão), com financiamento do Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha (BMEL, na sigla em alemão).

Em Sergipe, Poço Redondo é o município que acolhe o projeto, que é realizado localmente pelo Centro Dom José Brandão de Castro, Organização da Sociedade Civil (OSC) que conta com mais de 29 anos de experiência na atuação junto a pequenos/as agricultores/as e à população do campo, seja no assessoramento técnico, seja na defesa e garantia de direitos.

Para alcançar seu objetivo primordial, o Cultivando Futuros tem realizado uma série de ações no sentido de fortalecer as organizações da sociedade civil que atuam no campo da agricultura familiar, como sindicatos dos trabalhadores rurais, associações comunitárias, grupos de mulheres e jovens a fim de que elas incidam politicamente para elaborar, propor e monitorar as políticas públicas voltadas à agricultura familiar, bem como para aprimorar as políticas públicas já existentes.

Conhecer para transformar

O primeiro passo realizado junto às comunidades foi a construção da Linha do Tempo e a Trajetória dos Sistemas Agroalimentares do município, tendo um marco temporal de antes de 1989 a 2024. Esta ação foi realizada durante uma oficina voltada para 11 representações de Organizações da Sociedade Civil, Professoras/es e Lideranças de Movimentos Sociais de Poço Redondo.

“Foram levantadas as ações mais importantes para contribuir de forma direta, positiva ou negativamente, na produção de alimentos saudáveis no município, enfatizando quais políticas públicas e infraestruturas (promovidas pelo Estado ou Organizações da Sociedade Civil) foram importantes para que a agenda pudesse de fato afetar os sistemas agroalimentares”, explicou Alex Federle, responsável pelo projeto em Sergipe, e secretário executivo do CDJBC, acrescentando que no dia 06 de dezembro, a devolutiva da sistematização dos dados coletados na primeira oficina foi feita durante um novo encontro em Poço Redondo.

Dentre as ações apontadas pelos participantes, como sendo as que mais contribuíram com o fortalecimento da agenda da agroecologia no município estão a implementação de cisternas para consumo humano, a produção de alimentos, os processos de formação e os intercâmbios promovidos pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), assim como diversos projetos desenvolvidos pelo CDJBC no âmbito da recuperação de áreas degradadas, ou seja, de enfrentamento e mitigação aos efeitos da seca.

O maior desafio destacado pelos agricultores foi o enfrentamento ao agronegócio, que tem destruído as áreas verdes com o aumento do desmatamento e elevado a produção de monoculturas de milho ou palma focadas somente na criação bovina para produção e comercialização do leite. “Isso tem gerado profundos problemas que tem tirado a autonomia das comunidades rurais, o que praticamente levou a extinção do patrimônio genético das agricultoras e agricultores”, denunciou Alex.

Agenda de lutas

“A escuta e sistematização de como as políticas agrárias impactaram nas comunidades provoca nos agricultores e agricultoras um processo de reflexão mais amadurecido com vistas a traçar ações coletivas de incidência para que as políticas públicas existentes possam ser qualificadas e ampliadas numa perspectiva de fortalecimento da agenda agroecológica: recuperação dos solos e das matas, enfrentamento ao agronegócio e a urgência de frear o uso de venenos agrícolas”, destacou Alex.

Ao final desta etapa, será formulado um documento com uma agenda prioritária para a incidência política no município no campo da agricultura familiar, sobretudo para a produção de alimentos pautados na soberania, segurança alimentar e nutricional. Estas propostas serão apresentadas à gestão pública de Poço Redondo pela gestão do município, assim como, será discutido como o Estado e a União poderão corroborar com o processo de desenvolvimento dessas políticas.

Entre as ações a serem propostas, destaca Alex, uma das mais importantes é a reativação do extinto Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMSEA). “A necessidade de retomar essa importante agenda já se encontra em diálogo com a gestão atual, bem como com a gestão que assumirá a Prefeitura a partir de janeiro de 2025”, destacou Federle.

Próximos passos: Dialogar para aprimorar

Em 2025, as ações continuam. A segunda etapa do projeto, a ser realizada no próximo ano, continuará em um processo de diálogo com a presença de representantes do Poder Público municipal e estadual que executam as políticas agrárias e de soberania, segurança alimentar e nutricional, além de coletivos como conselhos de políticas públicas, redes e articulações do território. Nesta etapa, é chegado o momento de fomentar o diálogo entre diferentes atores sociais.

“Promover este intercâmbio entre os setores que implementam efetivamente as políticas públicas, fazendo com que eles conheçam as demandas dos atores sociais que vivenciam os resultados destas políticas, é uma das maneiras de estimular a participação dos sujeitos na elaboração e no monitoramento das políticas públicas. Porém, mais do que isso, facilitar este diálogo é uma maneira de fomentar a atuação intersetorial, seja entre os setores do poder público envolvidos na implementação da política agrícola e alimentar, seja entre esferas de Poder, sempre numa perspectiva inclusiva e que considere a equidade de gênero”, destacou o responsável pelo projeto em Sergipe, Alex Federle.

Por que Poço Redondo

A escolha de Poço Redondo para ser foco do Estudo de Caso se deu devido seu acelerado processo de desertificação e dos grandes investimentos do agronegócio na região. “No período anterior ao Golpe contra a Presidenta Dilma Rousseff, o município recebeu grandes investimentos para o fortalecimento da agricultura familiar. Contudo, após 7 anos, as famílias encontravam-se com um nível de empobrecimento muito mais elevado, e vivendo em situação de subsistência, sendo urgente entender como as políticas públicas podem contribuir com a superação da fome e da extrema pobreza”, destacou Alex.

Sobre o Projeto

A iniciativa é, por essência, uma ação de incidência política com intenção de transformar os sistemas alimentares no Brasil, mas também na Alemanha, a partir do intercâmbio de conhecimentos entre os dois países. Trata-se de uma experiência de cooperação internacional que demonstra como as soluções locais podem contribuir para o enfrentamento dos desafios globais. O projeto iniciou em março de 2024 e será concluído no final de 2025.

Ao todo, as 12 organizações da Rede ATER, que atuam na Bahia, Ceará, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte e Sergipe, executam o Cultivando Futuros. As organizações estão realizando estudos de caso para diagnosticar os impactos locais de políticas públicas fundamentais para a garantia do direito à alimentação como a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), o Programa Ecoforte e as políticas voltadas às mulheres, que fazem parte dos Planos Nacionais de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) e de Abastecimento Alimentar (PLANAAB).
O projeto segue uma abordagem de promoção de diálogo inclusivo envolvendo múltiplos atores – sociedade civil organizada, governos e setor privado – que promoverá a cooperação com conselhos como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar (CONSEA), a Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF), possibilitando que sujeitos invisibilizados – mulheres e jovens rurais, povos e comunidades tradicionais – participem da formulação de políticas públicas.