Educação, vulnerabilidade e extrema pobreza, violência sexual e participação cidadã. Estes foram alguns dos temas debatidos durante a Audiência Pública “Enfrentamento às Violações de Direitos contra Crianças e Adolescentes”, realizada nesta segunda-feira, 22, na Câmara Municipal de Aracaju. A coordenadora de projetos do Centro Dom José Brandão de Castro e do Selo UNICEF em Sergipe, Bahia e Minas Gerais, Joilda Aquino, participou, enquanto palestrante, da solenidade, que abriu as portas da Casa do Povo para debater o tema a partir de uma propositura da Vereadora Ângela Melo.
Para Joilda Aquino, a pandemia da COVID aprofundou as desigualdades sociais e consequentemente intensificou as violações de direitos de meninos e meninas. “Este é um momento em que as Leis falam em direitos, mas a realidade da população vulnerável deste país não consegue vivenciar aquilo que é apresentado na pedra fria da Lei”, lamentou.
Neste sentido, a adolescente e estudante secundarista do Centro de Excelência Atheneu Sergipense, Renata Aragão, reivindicou a necessidade de envolver meninos e meninas na elaboração e implementação de políticas públicas que garantam direitos, ao passo que denunciou o silenciamento vivenciado por eles. “À medida em que reservam ao jovem só o espaço de ‘gritar’ e não de ter lugar de fala para ser ouvido, isso é também uma forma de violência”, protestou.
Mesmo com as dificuldades enfrentadas pelos adolescentes em uma sociedade adultocêntrica, Renata é um exemplo de resistência. Ela apontou diversas ações que estimulam a participação cidadã dos adolescentes e jovens, a exemplo do projeto Atheneu ONU, a partir do qual ela se tornou Secretária Geral, o Eco+ Atheneu, do qual é coordenadora, e o Atheneu Políticas Públicas, do qual ela é gestora. “É muito importante essa participação do jovem na política que ele não fique sempre de plateia e vá discutir sobre os problemas que estão afetando o seu dia a dia, gerando assim renovação nos debates políticos e na proposição de políticas públicas. E um meio de reverter isso é através de audiências como esta”, defendeu.
Extrema pobreza: sem dignidade e sem direitos
O aumento da já existente miséria no Brasil e o retorno do país ao Mapa da Fome da ONU foi um dos aspectos apontados como sendo resultado da omissão do poder público, acentuada no período da pandemia. “Diante de um cenário em que temos notificados 34 milhões de pessoas em situação de extrema pobreza – cerca de 109 mil famílias somente em Aracaju – quantas crianças e adolescentes estão no seio destas famílias? E quais são as estratégias que esta Casa Legislativa tem adotado para enfrentar esta realidade?”, questionou o Secretário Executivo do Centro Dom José Brandão de Castro (CDJBC), Alex Federle.
No daqueles que vivenciam a mais extrema vulnerabilidade, a vereadora Ângela Melo, trouxe para a pauta a questão dos meninos e meninas em situação de rua, muitas vezes invizibilizados. “Esta é uma violação muito cruel: eles não têm moradia, seus familiares não têm trabalho e tantos outros direitos. E estas crianças encontram nas ruas, nas marquises de Aracaju e nos mercados, o espaço de brincar”, lamentou a parlamentar.
Educação
“Educação é um direito público subjetivo e por isso não pode ser negado. Estamos no mês em que comemoramos as cotas na educação superior, que foi um importante avanço. Mas para chegar na disputada da cota, o estudante precisa chegar ao primeiro acesso, que é a creche”, avaliou a vereadora Professora Ângela Melo, que coordenou a audiência, apontando mais de 30 mil crianças aguardam uma vaga em creches e pré-escola na rede pública de educação em Aracaju.
Em seu discurso, Joilda deu visibilidade à campanha “Vote pela educação” do UNICEF, cujo objetivo é sensibilizar a população a exigir ações concretas de candidatos e candidatas em resposta à crise educacional aprofundada pela pandemia da COVID-19, que leva a uma exclusão escolar de mais de 1,4 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos.
“Mais do que votar em defesa do direito à educação, vote por uma educação pública e de qualidade social, uma educação antirracista, antissexista e inclusiva, em que a cultura de paz e a valorização do projeto de vida dos meninos e meninas dê o tom do processo educacional”, conclamou Joilda, incluindo as pautas da valorização dos professores e professoras e de todos os profissionais que constroem a escola, a ampliação de recursos para a educação pública e o trabalho decente para jovens.
Fora da Escola Não Pode
A coordenadora Operacional da Busca Ativa Escolar em Sergipe, Rute Rosendo, apresentou esta importante iniciativa de maneira concreta: contou a história da pequena Maria Vitória, uma menina com deficiência que vive no interior do município de Itabaianinha e cuja vida foi transformada quando ela voltou a estudar. “Assim como Vitória, 4.156 meninos e meninas tiveram garantido o seu direito à educação por meio da ação da Busca Ativa Escolar”, destacou Rute Rozendo.
Ao apresentar em linha gerais a BAE e trazer alguns dados no Estado, Rute ressaltou que a intersetorialidade das políticas públicas é central na metodologia desenvolvida e fundamental para que se possa alcançar aqueles meninos e meninas que estão fora da escola. A Busca Ativa Escolar foi desenvolvida pelo UNICEF, em parceria com a Undime, e com apoio do Congemas e do Conasems. “Que esta frase imperativa ‘Fora da Escola Não Pode!’ esteja em nossa mente e em nosso coração para que possamos levá-la por onde formos”, sensibilizou Rute.
Garantir o acesso à escola é garantir outros direitos
“A escola é uma porta de abertura para os demais direitos. Na escola, não se aprende apenas a ler e a escrever, mas a ser cidadão: a ver e interagir consigo mesmo, com o outro e com o mundo” completou a vice presidente da Comissão de Direitos da Criança da OAB Sergipe, Camila Ayres. Ela elogiou a Busca Ativa Escolar enquanto iniciativa que também previne a violência, uma vez que ao retornar ao ambiente escolar, a criança consegue mais facilmente acessar outros direitos e outras políticas públicas.
As violações dentro de casa: negligência e violência sexual
O representante do Fórum Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (FDCA), Paulo Machado, apresentou dados alarmantes sobre uma das mais graves violações de direitos: a violência sexual. Dados da Secretaria de Segurança Pública do Estado de Sergipe apontam que em entre 2019 e 2022 foram registrados 2.134 de violência sexual contra crianças e adolescentes em Sergipe. Destes, o número de estupro de vulnerável chega a mais de 1600. “Denuncie! Disque 100, é gratuito. Proteja nossas crianças e adolescentes!”, apontou o representante do FDCA.
Uma das mais eficazes estratégias de enfrentamento à violência sexual contra crianças e adolescentes é a educação sexual. Foi o que defendeu a vereadora Linda Brasil, durante a audiência. “Crianças e adolescentes são sujeitos de direitos e é fundamental viver esta fase em toda a singularidade com respeito às diferenças e o acolhimento. Algumas pessoas estão distorcendo de forma perversa este discurso tão importante para que a gente possa manter crianças e adolescentes protegidas do abuso e da exploração sexual”, apontou.